surto de microcefalia

É impossível que vacina tenha causado surto de microcefalia, diz infectologista

Embora evidências científicas estejam à beira de comprovar de maneira definitiva a ligação entre o zika vírus e a microcefalia, ainda assim as redes sociais e aplicativos fervem semanalmente com boatos diversos, que sugerem que outras possíveis causas para a epidemia já teriam sido descobertas pelos médicos e viriam sendo mantidas em segredo do público em geral.

Entre as teorias da conspiração mais recentes, uma delas argumenta que a aplicação de vacinas em mulheres grávidas poderia ser a responsável pelos mais de 4.000 casos suspeitos de bebês com má-formação. O autor da denúncia, que se declara médico formado por universidades como a americana Harvard e UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), culpa a campanha de vacinação do Ministério da Saúde de novembro de 2014 em todo o Brasil pelos casos de bebês microcéfalos.

No entanto, para o infectologista da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo Marco Aurélio Sáfadi, trata-se de uma colocação leviana, já que a tese defendida na denúncia seria “impossível” do ponto de vista médico.

— É uma teoria desprovida de qualquer embasamento científico. Primeiro, porque a vacina que as gestantes recebem no Brasil é outra, e não a que ele alega. Aqui elas recebem a tríplice bacteriana contra difteria, tétano e coqueluche, que é a mesma aplicada em boa parte do mundo, em uma estratégia de vacinação adotada no Reino Unido, EUA e Argentina, por exemplo. Se isso fosse verdade, haveria o mesmo efeito nestes outros países. Segundo, pra que você tenha uma potencial teratogenicidade, que é a capacidade de produzir malformações congênitas no feto, ela teria que ser aplicada no início da gravidez e não no fim, quando o feto já está formado. Como a vacina tríplice é feita no terceiro trimestre, não há qualquer chance de isso acontecer.

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O boato sugere, ainda, que mulheres em período fértil que foram imunizadas contra o sarampo também correriam o risco de posteriormente dar à luz bebês com microcefalia, já que a vacina contém vírus vivos da rubéola — outra informação sem credibilidade, afirma Sáfadi.

— O conceito de vacina é justamente este: usar o próprio vírus, só que atenuado. É assim com as vacinas sabin, rotavírus, caxumba, febre amarela e a própria contra o sarampo. Só que, se este boato fosse verdade, todas aquelas mulheres que contraíram estes vírus em sua forma “selvagem”, pegando a doença antes de se vacinarem, também produziriam fetos com este tipo de má-formação, inclusive com até mais chance do que as vacinadas, que receberam vírus atenuados.

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De acordo com o infectologista, trata-se de uma vacina utilizada no Brasil há pelo menos 50 anos. Enquanto isso, as notificações de casos de microcefalia são recentes, e surgiram há apenas cerca de seis meses.

Além disso, ele reforça que já foram encontradas evidências do vírus na placenta, líquor e cérebro de bebês com a doença, o que é uma “documentação científica inequívoca” de que o vírus está diretamente ligado à microcefalia.

— Diversas sociedades científicas já se manifestaram condenando o que foi escrito por esta pessoa. Ficar dando espaço para isso desvia o foco da prevenção, faz com que mulheres deixem de se vacinar, o que, entre outras coisas, ainda aumenta os casos de doenças.

Outro rumor compartilhado recentemente nas redes sociais mencionava, também, lotes de vacinas vencidas como responsáveis pelos milhares de casos de bebês com má-formação cerebral.

Embora não existam estudos médicos que tenham analisado os efeitos de vacinas fora da validade em pacientes, Sáfadi diz que o máximo que aconteceria em um caso como este seria a perda de eficácia e, consequentemente, a ausência de proteção conferida pela vacina.

— Isso não acontece em lugar nenhum, nem na saúde pública, nem na particular. Em qualquer lugar, quando a vacina vence, o posto ou clínica joga fora.

Em 2015, a Organização Pan-americana de Saúde e a OMS (Organização Mundial de Saúde) anunciaram que a rubéola e a síndrome da rubéola congênita foram erradicadas em todos os países das Américas. No Brasil, não há registro de casos da doença desde 2009.

Sáfadi relembra que, antes disso, campanhas de vacinação contra a doença foram feitas, e que, mesmo em casos de mulheres imunizadas sem que soubessem que estavam grávidas, não houve nenhum caso de microcefalia associada ao feto.

— Hoje em dia, a vacina de rubéola é aplicada como rotina no primeiro ano de vida, e a segunda dose, no segundo ano. Campanhas de resgate feitas em massa alguns anos atrás, em que se vacinou mulheres de zero a 40 anos, não causaram em absoluto qualquer repercussão negativa nas gestações. Na época, era um critério não estar grávida. Mas, mesmo entre as que inadvertidamente foram vacinadas, foi feito um acompanhamento posterior e não tivemos qualquer problema, nem na gestação, nem no feto.

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